quinta-feira, 26 de junho de 2014

Da Cafeína e seus Usos

Hoje me senti meio Baudelaire ou Thomas de Quincey querendo narrar os efeitos mágicos da cafeína em minha mente. Já experimentei diversas drogas como maconha, haxixe, cocaína, lsd, cogumelos, anfetaminas, álcool e café. Destas todas faço apenas uso exporádico do álcool e do café. Deve ter mais ou menos um ano que tenho utilizado cafeína e foi justamente sobre este assunto que dei início a este blog.

No início dos anos 2000 experimentei pela primeira vez guaraná em pó para estudar. Nesta época eu trabalhava e estudava e precisava dar conta de quantidades enormes de textos para a faculdade. Gostava de estudar à noite e varava a madrugada se precisasse para dar conta de uns artigos ou livros. Mas assim como toda boa droga, uma hora a bendita perde o efeito inicial e assim foi com o guaraná em pó. Aquilo que era natural e me deixava 3 vezes mais inteligente e antenado não fazia mais o efeito esperado. Quando experimentei pela primeira vez, achei que aquilo fosse revolucionar minha vida. Mas nunca fiz uso durante muito tempo de nada disso. Era apenas para ocasiões especiais, onde eu precisava estudar muito. O mesmo vale para as drogas recreacionais. Nunca gostei de fazer uso diariamente, pois não acho que tenho tempo a perder chapado.

Logo o guaraná não servia pra mais nada. Era como beber água, sem contar com o sabor horrível. Tentei redbull e também não deu em nada. Uma amiga de faculdade na época tomava umas anfetaminas para emagrecer e me dizia que ficava dias sem dormir e me ofereceu. Aceitei, claro. Fiz várias perguntas a ela e achei que não faria nenhum mal tomar uma. Lembro que era final de algum período da faculdade e eu precisava comer um livro de 500 páginas em dois dias. Algo do tipo. Comecei a estudar naturalmente até ficar com sono e começar a perder a concentração. Peguei o comprimido e tomei. Meu cérebro começava a turbinar. Os pensamentos iam ficando cada vez mais rápido e você se sente uma máquina de pensar. É como se seus olhos fossem os faróis altos de um carro numa estrada escura à noite. E quanto mais eu lia aquela matéria difícil e enjoada, mais ela se esclarecia e ficava interessante. Tudo fazia sentido. Eu anotava, rabiscava umas coisas aqui, ali e continuava a devorar o livro. Era intenso.

Quando menos esperava já estava clareando o dia. O sol começava a nascer e eu tinha passado a noite toda estudando. Aquela sensação perfeita e ter aproveitado bem o tempo. Dormi um pouco de dia, resolvi minhas coisas e de noite quando voltei da faculdade encarei uma segunda noite de estudos. Era a última noite antes da prova. Tinha pegado mais 2 comprimidos com a tal amiga. Tomei um e comecei a estudar umas 23h. Quando eram quase 4h da manhã meu cérebro já estava cansado, querendo desligar. Fiz uma pausa, tomei um banho, fiz um café e tomei o segundo comprimido. Não podia me dar o luxo de parar ou dormir. Parecia o pac-man comendo aquela geminha de ouro pra ficar mais forte e derrotar os fantasmas. Continuei até às 7h da manhã. Terminei o livro, revisei a matéria e fui pra faculdade. A prova devia ser às 8h, mas a professora atrasou e só chegou às 9h. Comecei a fazer a prova ainda no pique, mas no meio da prova, me senti como o superman ao lado de criptonita. Fiquei fraco de repente. O sono veio querendo me atropelar e meu cérebro querendo desligar naquele minuto. Fiquei desesperado, pedi pra ir no banheiro, pra poder dar uma volta pelo corredor, jogar uma água na cara, sei lá. Lembro que fiquei bem preocupado e faltando umas 2 últimas questões tive dificuldade de me concentrar e escrever. Mas não desisti e dei o máximo de mim, sem remédio nenhum ou estimulante. Era a última prova do ano e saímos de lá e fomos beber pelo menos uma cerveja na esquina. Me despedi de umas amigas e fui pra casa que nem um zumbi com medo de dormir no ônibus. Apaguei quando cheguei em casa. Foi a última vez que usei essa anfetamina. Consegui os pontos que precisava para passar e não precisei repetir a matéria.

Da escrita: Game of Thrones e Cafeína

Enquanto leio sobre o personagem Bran (Brandon Stark), em As Crônicas de Gelo e Fogo (Livro II) de George R. R. Martin, e o início de sua relação com os lobos, me pego pensando mais uma vez sobre a escrita. Bran, aos poucos, começa a desenvolver um sexto sentido ao se comunicar com lobos. Passa a entender seus uivos e também a compreender os lobos. E a Velha Ama, quem cuida de Bran, diz: "(...) é mais forte em uns do que em outros".

Bran anda tendo sonhos e pesadelos frequentes. Sonhos que, às vezes, parecem reais. Uma espécie de delírio e alucinação. Como se estivesse recebendo uma mensagem através dos sonhos e ao mesmo tempo não soubesse o que é sonho e realidade. Bran, de fato, está desenvolvendo um outro sentido. É como se estivesse fazendo uma passagem e essa passagem é sempre caracterizada por um estado alterado de percepção.

A cafeína tem essa característica de alterar nossa percepção. Para melhor. Atenção redobrada, sinapses turbinadas. Uma sensação super agradável para ler, escrever ou estudar. A matemática é a mesma dos escritores malditos, assim como músicos e artistas que compõem sob efeito de alucinógenos ou dos índios e xamãs que que fazem seus rituais sob efeitos de peyotes e outras plantas. Carlos Castañeda, no livro A Erva do Diabo, diz uma frase muito interessante: "O crepúsculo é a fresta entre os mundos", ao narrar os ensinamentos do bruxo Dom Juan com os cactos alucinógenos no deserto. Essa fresta entre os mundos, me faz pensar na travessia de Bran para o outro lado dos White Walkers ou mesmo a travessia que a própria cafeína conduz ao me fazer ler, pensar e escrever mais sob seu efeito.

A Revista Info de março trouxe uma reportagem interessante sobre smartdrugs e propôs um debate um tanto inusitado sobre ética e produção acadêmica. É como se fosse um doping da Universidade, da mesma forma que atletas são impedidos de usar anabolizantes para competir. Me soa engraçado e um tanto curioso. Imaginem a cena entre dois doutores dentro de uma universidade: "Ah, ele tirou a nota maior que a minha no doutorado por que ele escreveu usando cafeína! Assim é mole!". Prêmios literários também poderiam desclassificar escritores sob uso de haxixe, anfetamina, cocaína? Álcool?

Enfim, o que me faz associar estas questões é justamente facilitar esta travessia de um momento x a um momento y de produção literária. Algumas pessoas já transitam nestes universos naturalmente, outras não. Gosto de pensar que todos somos livres para fazermos nosso caminho e podermos trilhar a melhor forma de desenvolver nossas habilidades. Não me interessam posturas morais, apenas possibilidades. Antropologicamente o ser humano sempre fez uso das substâncias mais diversas desde que vivíamos nas florestas - vide qualquer estudo de etnobotânicos por aí. Condenar estas possibilidades seria abrir mão de muita produção artística por aí de qualidade, como boa parte da produção cultural da década de 60 e 70. Como não associar o que era produzido por Pink Floyd e Yes ao uso de ácido lisérgico? Fora outras bandas geniais que também beberam nesta fonte e em outras. Escritores e poetas como Huxley, Rimbaud, Blake ou Kerouac que souberam sintertizar suas experiências em clássicos da literatura.

Para finalizar, associo a cafeína ao que Jim Morrison, baseado num poema de William Blake, sugeriu como nome de sua banda The Doors: "Se as portas da percepção fossem desobstruídas, tudo se revelaria ao homem exatamente como é, ou seja, infinito" (tradução livre).

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